Seguro-te nos meus braços sem falar, sem te olhar. Seguro-te, apenas.
Dói, sabes? Dói muito, mesmo muito. Nunca pensei que doesse tanto...
As lágrimas ardem na minha cabeça pesada, cheia de coisas por dizer, por fazer, por sentir. Cheia de futuro que nunca o será, cheia do passado que já foi e não pode voltar, cheia de presente que dói, fere, rasga, magoa. Cheia do presente que quero, oh, quero tanto!, negar. Negar o presente para acreditar que pode haver futuro...
Porquê? Quem o determinou, quem o mandou, quem disse que era assim, que tinha de ser assim? Porquê? Eu só quero um pouco mais, uns anos, uns meses, uns dias, umas horas... Qualquer coisa, qualquer momento mais que seja nosso como o são todos os momentos que passamos juntos, presos um no outro, estreita e apaixonadamente enlaçados...
... Não é justo!!!!
E quem disse que a vida é justa?...
As lágrimas esforçam-se por vencer a minha resistência e cair, chorar todas as minhas tristezas e amarguras, chorar, poder chorar! Mas não posso. Não posso, não devo, não quero fazê-lo! Por ti, por mim, pela criança que neste momento cresce no meu ventre sobre o qual poisas a mão docemente, tentando talvez tocar a nossa filha, o nosso bebé, a nossa pequenina. A menina com que tu também sonhaste, a alma que também tu idealizaste. A nossa filha, o fruto do nosso amor, os nossos corpos, o nosso sangue a renascer num novo corpo, nem teu nem meu mas sim nosso. NOSSO. E dela.
O teu corpo, doce e pesadamente encostado ao meu, é tão quente, tão macio! Tão entregue a mim e ao nosso amor! Como pode tudo isto ir acabar? Como?...
E no entanto vai. E tu sabe-lo como também eu o sei, sabemo-lo ambos e é por isso mesmo que, nesta tarde fria de Setembro, estamos aqui quietos na sala, no nosso sofá, eu sentada, tu estendido, o teu corpo semi-erguido pesadamente encostado ao meu, a tua mão docemente pousada no meu ventre numa carícia terna e quente... Em nosso redor, o silêncio. Sem música, sem palavras, sem sons alguns de qualquer espécie, sentamo-nos ambos em silêncio, aproveitando estes tão doces momentos... Que poderão ser os últimos de paz e amor. Que poderão ser os nossos últimos momentos juntos...
Aperto-te mais de encontro ao meu peito e tu, por um momento, ergues os olhos de encontro aos meus. Vejo os teus ensombrarem-se ao perceber a dor que se espalha e reflecte neles e, de repente, estás sentado ao meu lado, as pernas passadas por cima das minhas, e abraças-me. Abraças-me com força, com muita força mesmo, e eu sinto-me segura, tão segura! Tão segura que, por um momento, esqueço tudo o resto e te abraço também, tentando fazer-te sentir todo o amor, toda a paixão, todo o carinho e ternura que sinto por ti. E talvez até o tenha conseguido, uma vez que sinto o teu corpo a relaxar de encontro ao meu, as tuas mãos a percorrerem-me as costas numa carícia doce e leve...
Suspiro, os meus lábios aninhados na leve cova do teu pescoço, sentindo os teus beijos no meu cabelo. Ergues-me a face suavemente, beijas-me com ternura e paixão, procurando fazer-me esquecer que vai haver amanhã, um amanhã tão terrível e doloroso... O nosso beijo torna-se molhado, molhado das minhas lágrimas. E eu levanto-me e saio da sala, deixando-te sozinho e de braços vazios, de braços vazios como também eu estarei daqui a pouco... Meses? Semanas? Dias? Por quanto se conta ainda o tempo que tens de vida?...
Porquê, destino, PORQUÊ?! Porquê a mim, porquê a nós? Que fizemos nós de errado para merecermos isto, que fizemos nós de errado para merecermos esta condenação? Que fizemos nós de errado para merecermos ser separados, agora que encontrámos, finalmente!, o Amor que nos faltou durante todas as nossas vidas? Que fizeste tu de errado para mereceres a doença que te corrói as entranhas e que te condenou a um fim doloroso e prematuro? Que fez a nossa filha de errado para nascer sem hipótese de conhecer o pai?...
Enrolo-me sobre a cama num novelo apertado, sobre a nossa cama onde vivemos tantos momentos de amor e paixão, sobre a nossa cama na qual, em breve, dormirei sozinha. Sobre a nossa cama que, em breve, ficará para sempre fria do teu calor...
Como dói! O quanto dói! Parece que me tira a respiração, esta dor enorme e penetrante que se alojou no meu coração e me ameaça deixar fria fria e vazia por dentro... E eu limito-me a chorar lágrimas amargas, sem conseguir parar. Dói. Dói saber que te vou perder e que nada posso fazer para o impedir. Dói! E eis que a dor é tão grande que ameaça sufocar-me e eu, sem tentar resistir mais, fecho os olhos, cerro os punhos com força e tento afogar nas almofadas a dor imensa que explode em nãos meio gemidos meio gritados...
Entras no quarto e vês-me assim. Sem uma palavra, sentas-te a meu lado, puxas-me para ti e forças-me a chorar no abrigo dos teus braços enquanto me acaricias os cabelos em gestos curtos e lentos. Sinto o teu coração a bater depressa e o teu peito a levantar-se em longas inspirações suspiradas-quase-soluçadas. Sem mais nada a fazer, abraço-te com força e choro, choro até me sentir seca e sem mais lágrimas para chorar...
Dois meses passaram. Dois meses de dor e sofrimento. Custa, ver-te todos os dias e todos os dias saber que pode ser este o último... Se não fossem as drogas que te dão, não conseguirias aguentar durante muito tempo as terríveis dores do teu corpo a desfazer-se... Mas mesmo assim por vezes vejo-te ficar branco e de lábios apertados, a conter um gemido de sofrimento para eu não sofrer, para não me perturbar. Se soubesses que eu percebo... Se soubesses que sinto essas dores no meu corpo como se estivesse dentro do teu... Mas eu, também para não te perturbar, finjo nada perceber e sorrio.
Desde aquela explosão de choro que tanto perturbou ambos, recuso-me a pensar no futuro. Recuso-me a pensar que no mês que vem, na próxima semana, amanhã, podes já não estar comigo, tento esquecer que nunca verás o nascimento da nossa filha a não ser que um quase milagre ocorra... É difícil, mas não impossível. E eu, dolorosamente, tento aprender a viver segundo, apenas e só, a máxima latina Carpe Diem.
Aproveita o dia, e aprende a viver assim.
Na verdade, se estivesses no hospital poderias talvez viver mais algum tempo. Mas tu não o quiseste. Decidiste que não querias passar os teus últimos dias enfiado numa cama, num ambiente artificial, longe de quem te ama, não vivendo mas apenas sobrevivendo. E eu não consegui nem me reconheci sequer direito de me opor a isso. Amo-te demais para te querer engaiolado, alma selvagem...
E assim passamos aqueles que sabemos serem os teus últimos dias, juntos e aproveitando cada momento de felicidade, afastando cada um dos (muitos!) momentos em que a dor e o desespero da impossibilidade de agirmos nos invadem...
A nossa filha nasceu esta noite. É uma bebé linda e forte, saudável, grande. É muito parecida contigo... Tem os teus olhos, a tua pele branca, o teu cabelo muito negro, as mãozinhas de dedos finos como os teus. É linda, e eu sinto-a tão frágil e doce nos meus braços... É a nossa filha.
Morreste esta tarde. Minutos depois de veres a nossa filha.
A minha alma está rasgada e grita em silêncio, esvaindo-se em sangue...
2 comentários:
Ainda bem que voltaste a escrever no blog ;)
Ja tinha saudades..e parabens plo post..está bastante emotivo ;)*
Obrigado pelas tuas palavras. :)
Às vezes é difícil escrever, e eu tenho andado numa crise criativa. Tenho sentido demais, tenho sido obrigada a sentir demais para ser fácil para mim pôr tudo isto por escrito. Mas sinto a falta. Sinto a falta deste fiel confidente que é o papel...
Espero que continues a gostar! :)
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