11 abril 2005

À espera... (parte II)

Pedindo desculpa pela demora, aqui deixo o fim deste conto...

A nossa relação era assim, estranha. Por um lado, éramos mais do que amigos, por outro, nem sei se amigos éramos... Podíamos ver-nos todos os dias ou passar semanas sem nos encontrarmos. Às vezes quase me ignoravas, e a tua conversa era fútil, leve, apenas para encher o tempo. Outras vezes estavas alegre, íamos dar uma volta, íamos a um bar, a um concerto ou ao cinema, divertíamo-nos. Mas a maior parte das vezes estavas triste e sombrio, falavas pouco mas gostavas de estar ali, gostavas que eu estivesse por perto. Eu sentia, nem sei bem como, que tu gostavas. Sentia que te acalmava, que te fazia bem saber que alguém se preocupava contigo, que alguém queria estar ali e apoiar-te. Mesmo sem dizeres nada. Mesmo ficando calado, sem confessar nunca o que te preocupava. E sabendo isso, sentindo isso, eu ficava ali contigo horas perdidas, até que te levantavas e ias embora, ou até que anoitecia e esfriava e íamos ambos embora.
O que será que te preocupava? O que é que era tão grave que te acabrunhava, que não conseguias vencer, mas ao mesmo tempo leve para te deixar resistir sozinho, sem apoios nem ajudas, na fortaleza da tua solidão e do teu distanciamento? Não sei, não consegui nunca saber. Por mais que te dissesse, directa ou indirectamente, que estava ali para te ajudar, tu deixavas bem claro que isso não eram assuntos meus. Às vezes, para suavizar a dureza das palavras, sorrias. E então, embora o teu sorriso fosse triste, o mundo parecia transformar-se...

Quanto tempo ficámos assim? Foram meses, muitos meses durante os quais brincámos ao gato e ao rato, escondendo e mostrando, revelando e ocultando, andando em volta dos nossos sentimentos como crianças jogando à apanhada ou às escondidas.
Foram meses. Meses em que se gastaram a Primavera e o Verão, o Outono e parte do Inverno. Sim, porque foi no Inverno, num dia frio e nublado em que o mar (o nosso mar!) estava de um tom cinzento gélido, que tudo se precipitou.
Tu ligaste-me logo de manhã. Querias falar comigo. E eu mandei o resto às urtigas e fui ter contigo. No sítio do costume. Nesta mesma esplanada debruçada sobre o mar. Ficámos aqui horas, com sumos e sandes pousadas sobre a mesa. Os teus olhos perdiam-se no mar, cinzentos e gélidos como ele. Os teus braços cruzavam-se fortemente sobre o peito. O teu corpo parecia prestes a explodir de tensão. Parecias ainda mais concentrado, mais preocupado, mais distante do que nunca, mas ao mesmo tempo tão próximo...
À tarde fomos para a praia, vagueando pela areia. Acabámos por nos sentar num rochedo, sempre em silêncio. Quando uma brisa repentina e gélida se levantou e me fez estremecer, tu pareceste acordar. Olhaste-me, passaste-me o braço pelos ombros, apertando-me a ti, tentando aquecer-me. E continuámos em silêncio, mas agora dolorosamente conscientes da nossa proximidade, dos nossos corpos tocando-se e partilhando o seu calor.
De repente olhaste para mim e ficámos as duas assim, só assim, muito tempo. E então algo explodiu dentro de mim e eu não consegui resistir.
E eu, que tinha conseguido reprimir e fechar tudo dentro de mim durante tanto tempo, durante a suave promessa da Primavera, durante a confirmação esfuziante do Verão, durante a doce melancolia do Outono, durante o sombrio peso do Inverno, não consegui mais aguentar.
Ergui a mão até à tua cara, afaguei suavemente a tua pele, os teus cabelos negros e sombrios. Passei-a lentamente pelo teu pescoço, puxei-te até mim. E sob a luz dos teus olhos claros, surpreendidos e ansiosos, com profundezas e mistérios que eu queria desvendar, beijei-te.
Foi um beijo como eu nunca antes tinha sentido, meigo e apaixonado, com um carinho e uma ternura impressionantes, com uma entrega e confiança totais, profundas como eu nunca tinha experimentado.
E depois acabou.
Olhaste para mim.
Suavemente, libertaste-te dos meus braços.
Levantaste-te, passando a mão pelos cabelos.
Afastaste-te.
Desapareceste.
Nunca mais te vi.
Nunca mais soube nada de ti.

E é por isso que, nesta nova Primavera, estou de novo aqui.
Sentada nesta esplanada debruçada sobre o mar.
Com um caderno à frente, escrevendo.
À espera.
À espera que de novo passe por mim o vulto misterioso e sedutor, altivo e orgulhoso, que me conquistou o coração.
À espera.
E vou continuar aqui.
À espera.
Até que tu voltes.

2 comentários:

Anónimo disse...

lindo

Daniel Cardoso disse...

Lindo, angustiante, forte... Grande poder têm as tuas palavras.

Prometeu