27 março 2005

Saio

Deixo o teu corpo deitado
Levanto-me, saio para a rua.
Atrás de mim, o teu corpo abandonado
Lembra-me os momentos em que fui tua.


Saio devagar, saio lentamente,
Saio com vontade de para trás voltar.
Saio para a rua com o corpo dormente,
Dorido da noite passada a te amar.

Saio com tristeza no coração,
Saio sem vontade de sair.
Saio e deixo-te o meu coração,
Saio quase me obrigando a fugir.

Saio. Não quero sair mas saio.
Deixo o teu corpo em liberdade.
Ao deixar o quarto, tropeço e caio...
Não quero deixar-te, essa é a verdade.

Mesmo assim saio. Saio como tenho de sair.
Saio, deixo-te entregue a ti.
Saio, bem sei que tenho de partir,
Saio mas hei-de voltar aqui.

Saio. Tu és livre, também eu o sou,
E deixando-te livre vou sair.
Saio para a solidão que já me cansou,
Saio e deixo-te a dormir.

Saio e o silêncio te deixo,
Nele nunca te sentes em solidão.
Saio. Saio e não me queixo,
Não me queixo do vazio no meu coração.

Saio. Saio para não te prender,
Para te deixar livre para outra paixão.
Saio. Saio para não te perder,
Ninguém pode ser dono do teu coração...

Saio. Saio sem me preocupar com a dor,
Saio sem sequer olhar para trás.
Saio. Abandono aqui o meu amor.
Saio e não mais voltarei atrás.


Deixo o teu corpo deitado
E saio de lágrimas coberta.
Atrás de mim, o teu corpo abandonado...
Saio, e deixo a porta aberta.

26 março 2005

À espera... (parte I)

Mar.
Amar.
São parecidas, as duas palavras, não são?
O que quererá isto dizer?
O amor veio do mar?
Ou foi o mar que nasceu do amor?

Eu amo o mar. Sempre.
Amo esta imensidão salgada, esta eternidade azul que se estende até se perder de vista.
Amo-o na sua calma e na sua fúria, amo a sua doce espuma que se enrola na areia e as suas ondas que rebentam com fragor e estrépito nos rochedos, amo o seu brilho dourado que reflecte o sol e a sua profundidade cinzenta que adivinha borrasca, amo-o tranquilo e pacífico no Verão e rebelde e tempestuoso no Inverno.
Amo-o como te amo a ti, misterioso sedutor que me conquistaste o coração.
Foi aqui que te vi pela primeira vez. Estava sentada nesta esplanada com um caderno à frente, tal como hoje. E tu passaste aqui no paredão, paraste naquele banco além. Algo na tua forma de andar me chamou a atenção. Caminhavas como se o mundo pesasse sobre ti, os ombros meio curvados, o passo meio arrastado. Mas a cabeça continuava erguida, e embora o teu olhar perdido mostrasse sofrimento, a sensação que tive quando olhei para ti foi que eras um daqueles, cada vez mais raros, que preferem morrer a ceder, a render-se, que eras um daqueles de “antes quebrar do que torcer”.
Parei de escrever e fiquei a olhar-te, sentado no banco com a cabeça apoiada nas mãos, olhando o mar. Algo em ti me atraía, me seduzia. E eu acabei por perceber o que. Era essa mistura de orgulho e humilhação, de altivez e humildade, de força e fraqueza, de coragem e desespero. Tudo isso se espelhava em ti, no teu olhar, na tua forma de andar, na posição da tua cabeça, no abandono do teu corpo. E eu fiquei a olhar para ti.
Daí a pouco levantaste-te, foste embora. Fiquei a seguir-te com o olhar, sem te conhecer, sem saber sequer o teu nome mas querendo ajudar-te.


Este é o meu pouso habitual, portanto daí a dias estava de novo aqui, em frente ao mar, aproveitando o dia solarengo com um sumo na mão. Como de costume, os meus olhos vagueavam pelas pessoas que passeavam por ali, mas não se detinham em nenhuma. Sem saber porquê, procurava-te.
E encontrei-te. Tal como da primeira vez, passaste por mim com o mesmo ar preocupado mas resoluto. Não paraste, mas quando, mais tarde, também eu fui andar pelo paredão, voltei a encontrar-te. Vi-te ainda ao longe, de novo sentado mas já não olhando o mar. A cabeça mergulhada nas mãos, os ombros descaídos, eras a perfeita imagem do desespero naquele dia tão bonito.
Parei.
Hesitei.
Decidi-me.
Avancei, sentei-me ao teu lado. Sentiste-me, olhaste para mim, meti conversa. Tentei ajudar-te.

Voltámos a encontrar-nos uma, duas, tantas vezes! Nunca me contaste exactamente quais eram os teus problemas, muitas vezes interrompias a conversa e ficavas com o olhar perdido no mar, o mar que ambos amamos. Mantinhas o mistério que te envolvia, conservavas na penumbra a tua vida, a tua maneira de ser. Não dizias o que é que te preocupava, o que é que provocava esse desespero que te envolvia e que tu procuravas combater, não confessavas o que é que ensombrava o teu olhar.
O teu olhar... Os teus olhos claros e mutáveis como o mar, azul brilhante quando conseguias afastar os teus problemas por um momento que fosse, cinzento sombrio quando eles voltavam, em vagas como o mar, a rodear-te, a envolver-te, a ensombrar-te. Foram eles que me conquistaram, esses olhos que mostravam e escondiam, que revelavam e ocultavam, esses olhos em que me conseguia perder, esses olhos que são como as profundezas do mar, misteriosos, sedutores, apaixonantes.
Sim, eu acabei por me apaixonar por ti. Mesmo sem querer, mesmo sem tu quereres. Tu és tão sedutor, tão envolvente! Inconscientemente, eu sei. Não era por quereres, mas essa tua segurança, essa tua confiança, a tua altivez, o teu orgulho... o teu mistério, tudo isso me atraía, tudo isso me envolvia e me ia prendendo a ti sem eu saber bem como.
E tu? Também te apaixonaste por mim? Acho que sim. Nunca o puseste em palavras, mas havia gestos, olhares, afastamentos... Houve frases, mesmo, quando tu me dizias que tinhas de ir embora, que não podias ficar... Quando pousavas as mãos nos meus ombros e dizias que não podias gostar de ninguém, que não te podias aproximar de ninguém, que não podias ser (e aí hesitavas, a voz vacilava) amigo de ninguém. E eu percebia que também tu estavas a ficar envolvido, que também tu estavas a ficar preso.

25 março 2005

Noite

A minha alma chama a noite
Sem saber como nem porque.
A minha alma chama a noite:
É só nela que se revê.

Quero a noite, a noite sem fim,
A última noite, de paz e sem dor.
Busco a noite, o repouso enfim!,
Sem lágrimas, sem choros,
Sem ódio, sem amor.

Quero a noite, a noite eterna
O reduto que protege, o último abrigo.
Busco a noite, acariciante e terna,
Onde não me alcança nenhum inimigo.

Quero a noite, a noite sombria
Sem dizer adeus, sem me despedir.
Busco a noite, tão doce, tão fria...
Lá já ninguém me pode ferir.

Quero a noite, a noite de solidão,
Já me cansa o mundo e as suas gentes.
Busco a noite, a sua escuridão,
O oblívio de todos, das suas almas doentes.

Quero a noite, a noite sem guerra
Onde não me alcança a podridão.
Busco a noite, a saída desta Terra
A passagem para uma outra dimensão.

Quero a noite, a noite sagrada
Refúgio da minha alma carente.
Busco a noite, o fim desta estrada,
A total confiança, só ela não mente.

Quero a noite, a noite sem luar
Descanso a alma na sua ternura.
Busco a noite, não quero mais lutar:
Estou cansada desta tortura.

Quero a noite, a noite que é só minha
Outras presenças só me trazem dor.
Busco a noite, busco-a sozinha,
Estará sempre a mais, seja quem for.

Quero a noite, sinto-a a chegar
Minha amiga e amada, aproximas-te enfim!
Busco a noite, não quero mais penar
Minha protectora, envolves-me e é o fim...



A minha alma encontrou descanso,
Já ninguém a pode tocar.
A minha alma encontrou descanso:

Na noite eterna ficará a repousar.

Primeiro Reflexo

Espelho Negro... Porquê este nome?
A resposta é simples: espelho, porque aqui se reflectirá a minha alma; negro, porque essa é a cor que mais vezes lá vejo...
Sendo este blog um espelho, os reflexos poderão muitas vezes parecer estranhos, distorcidos, absurdos, irreais. Isso será normal, uma vez que a alma que nele se reflecte é muitas vezes assim descrita... Mesmo assim, espero que consigam encontrar aqui algum sentido e que, por vezes, também a vossa alma se veja aqui reflectida...